I
Estava frio, novembro tinha ficado para trás e uma chuva irrequieta caía em flocos gelados que sabiam e picavam como água das pedras. Daisy estava à procura da Cabrita Inês desde que terminara os trabalhos de casa, mas estranhamente agora, ao fim do dia, Inês desaparecia sem deixar rasto e nenhum dos seus amigos ruminava qualquer novidade de, onde ela podia estar.
A Inês tinha bichos carpinteiros, dizia a avó. Era hiperativa, dizia a mamã. – Arraçada de foguete, digo eu. Mas isto… desaparecer assim, não era normal. Naquele dia, por pura sorte, a caminho da padaria, Miss Daisy foi encontra-la extática, em duas pernas e de nariz colado numa montra da Vila. O seu coração só sossegou quando viu um pouco de baba a escorrer dos queixos da fugitiva e pingar na calçada, em forma de estalactite de pernas para o ar. Nunca ninguém tinha visto a Inês quieta, nem a dormir. Tocou-lhe a medo e, esperando que ela desse um pulo, afastou-se logo. Mas a Inês nem mexeu, disse apenas numa voz baixinha e sibilada, – shiiiiiuuuuu! – Está ali o Óscar!
Daisy espreitou para a montra que todos os dias, depois da escola, percorria maravilhada à procura das mil, cintilantes, novas e fofinhas novidades que a Happy trazia à luz, e tinha a certeza que nada de novo haveria ali que lhe escapasse, muito menos o Óscar que era o duende mais avantajado de todas as terras e mares até ao Fundão. E porque era muito velho, tipo 30 anos ou assim, tinha também uma senhora barba que estava sempre a ajeitar e onde, dizem, escondia biscoitos de gengibre que dava a si próprio de presente. A Inês insistiu – Nãoo! Aliiii!!! Ali era a prateleira ao fundo da loja, junto dos artigos de costura. Três novelos alvos de burel branco para o lado, entre duas caixas de costura e um guarda-joias de bailarina, estava um colorido duende que quase parecia vivo e, pasme-se, era igualzinho ao Óscar!
Após uns minutos, e quando já lhe tremiam os joelhos de estar em 2 patas sem mexer, Daisy e Inês piscaram os olhos à vez. Antes que pudessem firmar a vista, o duende tinha desaparecido. Inês correu para as traseiras e arrastou Daisy pela mão. Com paninhos nos cascos para não serem ouvidas, seguiram-no pelas ruas vazias àquela hora e depois, colina acima, até à Pedra dos Girassóis onde este se sentou por algum tempo. Inquieto, levantou-se e começou a andar em círculos, mais e mais apertados. Finalmente, quando os sulcos no chão pareciam querer engolir o duende, alguém se aproximou pelo carreiro. Cheirava ao que devia ser o cheiro do Céu. A somar ao aroma dos pinheiros que perfumava a noite, havia uma nota vibrante de zimbro e do fundo de um cesto tapado por um pano de linho branco emanava, certeza certezinha, um cheiro de maravilhosos biscoitos de gengibre acabados de fazer.
As narinas da cabrita Inês fremiram um instante, o suficiente para a avó puxar o capuz para trás e, com um sorriso, perguntar em voz alta – quem está lá?! – Ovelha que barrega ou cabrita cega? E rindo chamou-nos pelo nome, como se soubesse que eramos nós. Ansioso e preocupado, Óscar nem resmungou por estarmos ali. Todo aquele corpitcho redondo vibrava agora à volta do cesto da avó.
– Trouxeste avó? Trouxeste?
– Sim, meu malandro! Mas que fizeste tu aos outros todos? – Assim vais rebolar no fim das Festas!
Óscar murmurou algo, por baixo das barbas, mas logo começou por dispor os bolinhos sobre as pedras em grandes folhas de nogueira e, dando um a cada uma, sem hesitar, expulsou-nos às 3 num repente. A avó não protestou o que calou a Inês. Eu, metendo as Xi-Nelas ao caminho, temia que a mãe já andasse à nossa procura.
II
Havia uma lua giganorme no céu, que dispensaria as luzes dos pirilampos, mas a noite de Natal reunia na Pedra dos Girassóis todos aqueles que a floresta abrigava e não respondiam por nome, nem cheiro, de bicho homem. E os pirilampos eram sempre os primeiros a chegar! Animais, duendes e seres alados, todos foram tomando o seu lugar na clareira. O Óscar acolheu-os cerimonioso, quase feliz, no seu papel de mordomo. Os pinheiros, fazendo de si, assobiaram canções de solstícios antigos, revivendo heróis, de tempos onde a terra era farta.
Depois da festa, que um dia vamos contar, quando todos regressaram a casa e a paz encontrou o seu lugar naquela noite, o Óscar tomou para si, debaixo das estrelas, o tempo de um pensamento. Todos os biscoitos que tinha conseguido carregar eram agora uma sombra e, debaixo da imensa barba, sentiu-se sorrir ao pensar na sua bailarina.
Na loja, depois da Ceia, em reverendo silêncio, um Xerife Woody e uma Jessie1, vestidos de Natal, eram como Maria e José, um presépio de brinquedos que definia aquele espaço onde, à instantes, Óscar parecia flutuar. Um último biscoito de gengibre fazia de Menino. As migalhas quentes daquela ceia adoçavam o colo da bailarina da caixa de costura. Por cima da estante, entre os panos de cozinha, um letreiro com um girassol feliz e a palavra Casa, cobertos de purpurinas, eram como a estrela de Natal. Um sorriso de Deus na noite fria.
Feliz Natal! Um feliz Natal.
AMS
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